Resumos


Série VI
25 fevereiro 2019
Soraia Simões (IHC-NOVA/FCSH)
A supremacia masculina do RAP em tempos de maioria absoluta (ou será desde aí?)
Demos início à disputa/ eu tenho a magia tu tens a batuta/ disputa com os olhos é o preço da multa, provocaste?/ A Da Bom ninguém insulta/ o meu acariciar mostra o quanto eu sou astuta/ ainda vais a tempo de desistir da luta/Queres seguir em frente?/
«Nigga Senta», Divine
As frequentes perguntas acerca da "identidade cultural" dos primeiros rappers em Portugal, por parte quer dos meios de comunicação social como dos públicos, levaram a que do final da década de oitenta à década de noventa do século XX estes vivessem a sua emergência no hip-hop com uma necessidade permanente de afirmação dos seus percursos biográficos junto da sociedade e da cultura portuguesa.
Os seus guiões de vida começaram por dar sentido à permanência do hip-hop, e à sua continuação no mesmo, em particular da vertente poético-sonora desta cultura de matriz urbana, ou seja o RAP.
Os primeiros temas aflorados e as referências sonoras e musicais comuns, oriundas de outras latitudes geográficas, fizeram crescer um movimento com características particulares em Portugal, onde as redes de interajuda e os laços de sociabilidade, à semelhança do que tinha acontecido noutros países, especialmente nos Estados Unidos, se fortaleceram.
O facto de se tratar de uma geração que se sentia excluída, e se tinha de adaptar a um país no qual ou não tinha nascido e/ou, na grande parte dos casos, nem nunca tinha visitado o país de origem dos progenitores, tornou a rua o espaço de criação artística privilegiado.
Por outro lado, os bairros mais estigmatizados eram o cenário ideal para, nuns casos, alertar para os problemas que existiam nesses mesmos bairros, noutros casos para dar a conhecer à sociedade portuguesa da década de noventa, no momento em que começaram a gravar por editoras de alcance nacional e translocal (Vidisco, Sony Music, BMG, Valentim de Carvalho), outra vivência e experiência cultural procedente dos mesmos.
As tensões e os conflitos associados pelo discurso dominante à vivência no subúrbio, como o consumo e a venda de drogas ou o roubo, passaram a ser atenuados com a presença das suas acções artísticas no campo cultural e no campo discográfico em especial. O RAP tornou-se um importante veículo de diálogo entre o poder público e a sociedade civil, tendo também sido o seu impacto no Portugal urbano da década de noventa em particular um rastilho de pólvora que acelerou uma reconfiguração do pensamento político endereçado a "jovens das periferias".
É certo que território de origem e língua começaram por ser difundidos a uma escala maior em 1994 por via da compilação RAPública, a primeira compilação de RAP a ser editada em Portugal com a chancela da Sony Music, mas a parca representação dos temas musicais de teor explicitamente ideológico nos media em comparação com outros temas da mesma edição discográfica, especialmente em português, como o célebre «Nadar» (Black Company), não fez jus à vasta produção literária dos rappers, assim como à diversidade do que era consumido entre os sujeitos e os grupos para lá do surgido em retroalimentação com as indústrias da música (fonográfica, imprensa e audiovisual sobretudo).
Em Lisboa, a conciliação entre a oralidade e a escrita sintetizaram a própria natureza desta prática: por um lado, a reinscrição das origens dos pais (a oralidade africana); por outro lado, o texto escrito para denunciar ou evocar realidades presenciadas. Isto é, de um lado o sentido de preservação das práticas culturais familiares mais ancestrais e por outro a construção de pontes e diálogos com o mundo exterior. No Porto, a contestação à centralizacão e à associação da prática a uma "atmosfera específica de Lisboa".
O RAP feito em Portugal nestes anos funcionou como um instrumento eficaz de socialização da juventude, e em especial da juventude negra ou descendente de imigrantes em Portugal, mas igualmente uma ferramenta de empoderamento d@s rappers que se procuraram afirmar, com o desejo que os considerassem artistas, e reclamavam um espaço idêntico de destaque na indústria musical portuguesa de inícios da década de noventa. Aos poucos, começaram por se sentir reféns de uma litania usual em torno do RAP, da qual se quiseram demarcar.
A esperança criada em torno da "cultura hip-hop" levou os primeiros rappers a reclamar o RAP como uma arte e uma forma musical, com tantas possibilidades técnicas como outras práticas de natureza popular na indústria musical da década de noventa.
Porém, até essa reivindicação criou sentimentos ambíguos. General D, apesar de ter sido o primeiro rapper a gravar em Portugal, criou algumas cisões com os restantes, que só se vieram a dissipar em anos recentes. Por um lado, porque vários rappers não queriam que a prática estivesse centrada nas ideias classistas, raciais ou étnicas onde ele foi actor principal, por outro lado porque foi justamente o pioneirismo de General D que retirou o RAP produzido nesses anos em Portugal das franjas da sociedade de consumo e o veiculou nessa mesma sociedade.
Mas, a maior injustiça e invisibilização foi a da narrativa da Mulher rapper, das primeiras, neste campo.
Foi nestes anos que pela primeira vez, e de um modo explícito, a abordagem à pouca representação feminina, ao sexismo e à violência doméstica ganharam aqui palco e projecção. A partir do grupo Djamal no panorama discográfico nacional (Abram Espaço 1997) e por vida das actuações do grupo Divine, especialmente em sessões locais — espaços de encontro do meio RAP, como, entre outros, o J.Guitar.
Houve um conjunto de complexidades que resultou, por um lado da natureza singular da «poesia RAP» nestes anos, por outro do carácter plural d@s protagonistas que integraram este domínio.
Os caminhos e as narrativas apresentados pelas primeiras rappers a gravar demonstraram-nos como a apresentação feminina neste universo cultural foi, por um lado propagada de modo superficial, semi esconso, pelos media, ou seja remetida de um modo transversal para a ideia de um «fenómeno urbano pós-colonial» semelhante a outros ocorridos internacionalmente noutras capitais e, por outro lado, destituída dos significados das suas intervenções literárias e experiências locais ou silenciada pelos próprios actores, e actrizes, desta cultura urbana, que foram chegando em anos seguintes ao seu surgimento, ou seja, a seguir aos primeiros doze anos que procuraram impor e fixar a 'cultura hip-hop' na indústria musical portuguesa.
Nas entrevistas realizadas durante a primeira década do hip-hop em Portugal atribuíram-se frequentemente as produções de ambos os grupos (Divine e Djamal) para um universo lírico e argumentário acessório ao da produção masculina, não como um campo de produção complementar, todavia autónomo, com uma natureza literária concreta e diferenciadora, um RAP que desafiou o domínio masculino, que se dirigiu nas suas letras — aliadas a instrumentais como o beat box numa fase primeira, máquinas (QY10) ou instrumentos como baixo, guitarra e bateria numa fase sucedânea —, aos rappers do sexo masculino de modo consciente.
Estas rappers, também elas descendentes na sua maioria de africanos a viver em Portugal, observaram e souberam interpretar as possíveis causas e efeitos que levaram ao momento de ruptura dos respectivos grupos.
Recentemente, a propósito de um evento denominado "História do Hip-Hop Tuga" que se vai realizar no dia 8 de Março deste ano, Dia Internacional da Mulher, no Altice Arena, alertei para o facto da organização deste evento ter nesse cartaz cerca de quatro dezenas de homens (aqui https://bit.ly/2GB4hrt), alguns que não gravam um disco desde 1999 (alguns podem escutar no audiolivro RAPublicar. A micro-história que fez história numa Lisboa adiada, publicado em 2017 pela Editora Caleidoscópio), mas que efectivamente escreveram páginas importantes no período de afirmação do RAP (especialmente) em Portugal, e nenhuma Mulher das que gravaram no mesmo recorte cronológico e rasgaram outras, novas, narrativas.
Há dias um dos organizadores referia qualquer coisa como "pôr uma MC só por ser mulher ia tirar outra pessoa que também foi importante". Deduz-se desta observação o quê? A "importância" é atribuída, segundo esta organização, pela prevalência no meio discográfico? Não. Se assim fosse alguns dos rappers convidados não o seriam. Por um "valor absoluto" quanto a ter "mais e menos flow", "melhores líricas" (características deste universo que também se rege pelos seus cânones, que não são os de leitura musical)? É, isto, creio, totalmente subjectivo. Ou será, antes, pelo impacto para a história da cultura e música populares, para as pessoas a quem se dirigiram e para as quais actuaram, para um conjunto enorme de jovens que dentro e fora do país usaram as suas letras como hinos aquando das lutas contra as propinas da década de 90, as manifestações liceais contra a PGA, as lutas pela liberalização do consumo de drogas leves ou pela despenalização do aborto, que as suas performances, e confirma-se em variadíssimos documentos, foram interessantes, audazes, impactantes, necessárias?
Em tempos de "maioria absoluta", em "pleno cavaquismo", tivemos um franco avanço na divulgação e ediçāo dos primeiros grupos de RAP em Portugal, mas o mesmo período histórico cultivou em escala acentuada a ideia de que todos viviam muitíssimo bem, das classes baixas às médias baixas. Essa ideia de avanço não correspondeu, como se veio a verificar, à realidade, muitos ficaram pelo caminho, sobretudo os/as que deram de si e se deslumbraram com as promessas e "momentos auspiciosos" vividos por uma indústria cultural ainda convencional e o que era de facto "novo" na narrativa da cultura popular, hoje tão relevante, ficou asfixiado por um discurso "integracionista", "cosmopolitico" superficial e bastante romantizado.
Falar de violência doméstica, sexismo e desigualdades em função do género dentro de grupos racializados na década de noventa, como o fizeram Djamal, Divine, Backwords, culminou efectivamente na sua sub-representação. De resto, estou certa que, à semelhança de outros fenómenos que por estes dias aparecem, elas, incrivelmente com tudo às claras, não foram compreendidas. Ou será, antes, que convém não compreender?

25 fevereiro 2019
Susana Domingues (IHC-NOVA/FCSH)
O frio industrial em Portugal: introdução e desenvolvimento no sector alimentar (1908 - 1954)
A conservação de bens pelo frio revolucionou os hábitos de consumo e saúde pública em sociedades industrializadas. Este projeto pretende analisar as consequências das políticas públicas definidas para o frio industrial desde 1908 (constituição do Instituto Internacional do Frio) até 1954 (inauguração do matadouro frigorífico de Lisboa), tanto ao nível da saúde pública, como do abastecimento alimentar. Está em causa a compreensão das mudanças de hábitos de consumo em Portugal derivados da introdução desta tecnologia, num período especialmente relevante na História Portuguesa, que atravessa a primeira República (1910-1926) e chega ao Estado Novo (1933-1974), e para a História Europeia, incluindo as Grandes Guerras do século XX. Ao avaliar a introdução do frio industrial em Portugal, através da análise documental em arquivos e bibliotecas e a partir de uma abordagem transnacional, este projecto contribuirá para futuras tomadas de decisão relativamente às políticas públicas do abastecimento alimentar em períodos de crise.

BIBLIOGRAFIA

- Abreu, J. e Silva, M. (1950) A aplicação do frio no aprovisionamento alimentar da cidade de Lisboa. Comunicação apresentada no II Congresso da Capitais. 4ª secção: Abastecimento Público.
- Bacelar, M. (1948) O Problema Frigorífico Português. Tese apresentada ao 2.º Congresso Nacional de Engenharia. Porto: Tipografia Invicta.
-  Braamcamp, J. M. (1922) Instituto Internacional do Frio: relato da missão, Lisboa: Ministério da Agricultura / Imprensa Nacional.
- Brandão de Brito (1989) A Industrialização Portuguesa no Pós-Guerra (1948-1965). O Condicionamento Industrial. Lisboa: Dom Quixote.
- Brazão, L. N. (1951). O frio na conservação dos produtos alimentares da conservação de produtos alimentares: suas vantagens económico-sanitárias. Lisboa: Sá da Costa.
- Custódio, J. (2008). “A bem da nação”. A tecnologia do frio industrial na conservação de alimentos. O caso dos armazéns frigoríficos do Bacalhau do Porto de Lisboa. In AA.VV., Museu do Oriente: de armazém frigorífico a espaço museológico (pp. 24-47). Lisboa: Fundação Oriente.
- Pereira, M.H. (1983) Livre Câmbio e Desenvolvimento Económico. Portugal na segunda metade do séc. XIX. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora.
- Gavroglu, K. ed. (2014) History of Artificial Cold, Scientific, Technological and Cultural Issues. Boston Studies in the Philosophy and History of Science vol. 299. Springer.
- Inquérito sobre matadouros e mercados das capitais dos distritos administrativos determinado em portaria de 7 de Maio de 1934. Ministério das Obras Públicas e Comunicações. Lisboa, 17 de Novembro de 1934, João Galvão, eng. Inspector das obras públicas. (suplemento ao Diário do Governo nº 127, 2ª série, de 3 de Junho de 1935)
- Pereira, M. L. (1949) Abastecimento de produtos hortícolas a Lisboa. Lisboa: Junta Nacional das Frutas.
- Ricardo, J. N. (1918) Indústria do Frio: máquinas, seu uso prático e aplicações Lisboa: Tipografia da papelaria Tejo.
- Rees, J. (2013) Refrigeration Nation: A History of Ice, Appliances, and Enterprise in America (Studies in Industry and Society) Baltimore: Johns Hopkins University Press.
- Rollo, M. F. (1994) Portugal e o Plano Marshall: da Rejeição à Solicitação da Ajuda Financeira Norte-Americana: 1947-1952. Lisboa: Editorial Estampa.
- 2008 - Année du froid : 100 ans au service du développement du froid et de ses applications (2011) Paris: Institut International du Froid/ International Institute of Refrigeration.

11 março 2019
Adolfo Cueto-Rodríguez ((IHC-NOVA/FCSH)
A política colonial do Estado Novo: Origem e destino de um exercício de resistência (1930-1974)
O nosso trabalho trata da resistência do Estado Novo português à crescente contestação anticolonial “interna” e externa, e face ao fenómeno geral da Descolonização, entre 1930 e 1974.
Rastrearemos o quadro político-normativo, as forças que neste e fora deste se enfrentaram e as razões dessa colisão, reconstruindo as análises da situação que os responsáveis políticos fizeram a cada momento crítico do problema colonial. Pretende-se assim contextualizar e comparar a atitude dos governos salazaristas nas suas diferentes fases, e também a política seguida por Marcello Caetano entre 1968 e 1974.
Este exercício levou-nos a defender a seguinte tese: carecendo de um verdadeiro plano para resolver o problema colonial, a orientação governativa do marcelismo foi diferente e potencialmente disruptiva da adotada nos governos de Salazar.
O tempo – ou a falta dele – bem como as circunstâncias, impediram que os estados coloniais adquirissem uma maior autonomia, facto que não dissuadiu, todavia, o avanço de outro componente da equação: uma reprodução mais fiel nas grandes colónias do sistema político que vigorava na metrópole.
Através de convenientes lógicas de exclusão, o marcelismo pretendia entregar o poder aos colonos residentes em Angola e Moçambique e aos nativos ocidentalizados que se mantinham em paz com Portugal ou que poderiam aceitá-la sob aqueles moldes; e assim proteger também os interesses materiais e geopolíticos da metrópole.
Não obstante, vários problemas difíceis de resolver —para não dizer incontornáveis— conduziram ao desenlace do 25 Abril de 1974: desde logo, o perigo de desestabilização interna devido ao desconhecimento de um consenso relativo à emancipação colonial; a extrema polarização nas colónias em guerra tornava improvável um cessar-fogo; e a intromissão estrangeira poderia fazer que os conflitos ultrapassassem facilmente as capacidades militares —e não só— de Portugal.
Pelo contrário, a estratégia de Salazar, flexível e pragmática, jogou de forma arriscada com esses mesmos problemas, alimentando os dois primeiros, de forma a evitar a escalada do terceiro. Assim, podemos dizer que o salazarismo tentou escapar das consequências previsíveis da descolonização, de maneira simples: evitando-a. Para tal encorajou a interdependência, não abandonou nenhum dos instrumentos de controlo interno e colonial e confiou no desentendimento internacional com a expectativa de que o tempo jogasse a seu favor.

8 abril 2019
Sandra Patrício (CMSNS, CEC-FLUL)
Projecto Dizeres: recolha, documentação e preservação de vocabulário usado pelas comunidades de Sines

António Campos (CMSNS)
Diogo Vilhena (CMSNS)
Maria Filomena Gonçalves (CIDEHUS-UE)
Sandra Patrício (CMSNS, CEC-FLUL)
Sónia Bombico (CIDEHUS-UE)

As comunidades locais de Sines sofreram várias alterações desde o século XIX motivadas pelos ciclos industriais e económicos, desde o ciclo da cortiça, ao do turismo, e, mais recentemente, do complexo industrial. A época contemporânea tem sido tempo de cruzamento de populações, culturas e tradições num pequeno concelho de apenas duas freguesias, situado numa área geográfica delimitada e afastada dos grandes centros urbanos portugueses, que cruza o litoral com o interior, entre a Grande Lisboa e o Algarve, tendo como vizinhos os grandes concelhos alentejanos. Às comunidades autóctones e às oriundas do Alentejo, Algarve e norte do país durante os séculos XIX e XX, acrescem populações que, atraídas pelo Complexo Industrial, sobretudo a partir da década de 70 do século XX, migram para Sines, vindo não só do território português mas também de países africanos de língua oficial portuguesa.
Num contexto de desenvolvimento social e económico que reúne modernidade e tradição, verifica-se que os "modos de dizer" se prendem com actividades tradicionais, no que concerne às comunidades fixadas antes dos anos 70, cujas profissões principais − a pesca ou a antiga transformação da cortiça − estão em regressão, e com elas, também estão desaparecer os falantes detentores dessa memória linguística e cultural.
Urge, por isso, documentar e divulgar estes modos de falar. Em parceria com a Biblioteca Municipal e com o apoio científico da Universidade de Évora, o Arquivo Municipal de Sines está a desenvolver o projeto Dizeres, cofinanciado pelo programa Tradições da EDP. O projecto decorre até finais de 2019 e tem como objetivo a recolha e documentação deste património imaterial, para sua salvaguarda como parte da história e da identidade do concelho de Sines, consistindo em várias acções de recolha, estudo e divulgação do léxico específico das comunidades locais. Este projeto incide somente no vocabulário, não visando, pois, uma descrição completa da "fala de Sines". De acordo com as recolhas pioneiras de Leite de Vasconcellos (1933-1988), em trabalhos de Dialectologia e Etnografia, e estudos como o de Florêncio (2011), os falares da área de Sines inserem-se nos dialectos meridionais.
A natureza do trabalho requer uma metodologia que cruza contributos e práticas de disciplinas como a História, a Linguística (Dialectologia e História da Língua) e a Etnografia. A metodologia inclui quer a entrevista aos informantes, quer a consulta de fontes escritas (documentos de arquivo, lexicografia portuguesa), e, ainda, as recolhas orais realizadas pelos serviços culturais da Câmara Municipal de Sines desde a década de 80 do século XX. Assume-se que, em rigor, não existirá um léxico específico ou exclusivo de Sines, mas sim palavras e expressões que, em função das características das comunidades de Sines, adquiriram acepções próprias, conhecidas e usadas em determinados contextos (actividades lúdicas, actividades sócio-profissionais…). Assim, expressões como Chui! (usada no contexto dos leilões de peixe) ou barrocas (nome dado às escarpas entre a actual cidade e a praia), traduzem vivências locais (Patrício e Pereira 2017), associadas a práticas sociais ou a aspectos geográficos.
O resultado final do projecto Dizeres será um glossário, resultante da compilação de dados, que ficará disponível em linha.

BIBLIOGRAFIA

-Banza, Ana Paula e Gonçalves, Maria Filomena (2018). Roteiro de História da Língua Portuguesa. Évora: Cátedra UNESCO em Património Imaterial e Saber-Fazer Tradicional. Disponível em  www.catedra.uevora.p t>>
-Castro, Ivo e Silvestre, João Paulo (coord) (1997-2017). Dicionário de Regionalismos e Arcaísmos, de José Leite de Vasconcelos [dicionário electrónico]. Lisboa: Centro de Linguística da Universidade de Lisboa. [Consultado em 2019/01/03]. Disponível em http://beta.clul.ul. >>
-Florêncio, Manuela (2011). Dialecto alentejano: contributos para o seu estudo. 3º edição. Lisboa: Edições Colibri.
-Patrício, Sandra e Pereira, Paula (2017). Sines, a Terra e o Mar. Sines: Câmara Municipal de Sines.
-Vasconcellos, José Leite de (1938). Opúsculos: Etnografia, parte II. Vol. VII. Lisboa: Imprensa Nacional de Lisboa.

6 maio 2019
Leonardo Aboim Pires (IHC-NOVA/FCSH)
O sector primário na evolução recente da economia portuguesa: produção, recursos e sustentabilidade
O sector primário, no contexto do regime democrático, conheceu diversas cambiantes. Desde logo, muitas delas foram consequência directa do modelo económico em vigência durante o Estado Novo, traduzindo-se numa diminuição do seu contributo para o PIB e na taxa de população activa e transferência do seu peso económico para a indústria. 
Após 1974, e atendendo às fragilidades da economia nacional nos primeiros anos da democracia, a agricultura conheceu alterações, desde logo, em contexto revolucionário, através da Reforma Agrária e as orientações tomadas neste período. Posteriormente, o sector primário sofreu a influência do processo negocial para a entrada de Portugal na CEE, processo iniciado em 1977, culminando com a adesão em 1986. Nos anos seguintes, as disposições impostas pelo desafio europeu determinam um conjunto de medidas que visam a agricultura e que a transformam, em diversos domínios socioeconómicos, como o suporte de preços de mercado, a comercialização dos produtos agroalimentares, a formação dos produtores, a preservação ambiental, entre outras.
Esta apresentação contemplará uma análise à intervenção dos poderes públicos face à agricultura, contemplando temáticas como níveis de governança (local, nacional e internacional), com especial incidência nos impactos da Política Agrícola Comum (PAC); territórios, economias regionais e desenvolvimento local e opções políticas e seus impactos ambientais e nos ecossistemas nos últimos 40 anos.

BIBLIOGRAFIA

-Amaral, Luciano, A economia portuguesa: as últimas décadas, Lisboa, Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2011. 
-Amaral, Luciano; Freire, Dulce, “Agricultural Policy, Growth and Demise, 1930–2000” in Pedro Lains & Dulce Freire (ed.), An agrarian history of Portugal, 1000-2000: economic development on the European frontier, Leiden, Brill Publishers, 2017, pp. 245–276. 
-Avillez, Francisco, A agricultura portuguesa: as últimas décadas e perspectivas para o futuro, Lisboa, Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2015.
-Avillez, Francisco, “Agricultura” in Alice Cunha (coord.), Os capítulos da adesão, Lisboa, Assembleia da República, 2017, pp. 279-299. 
-Cunha, Arlindo, A Política Agrícola Comum na era da globalização, Coimbra, Almedina, 2004. 
-Duarte, Amílcar & Freitas, Maria de Belém Costa, “Produtos agrícolas transformados” in Alice Cunha (coord.), Os capítulos da adesão, Lisboa, Assembleia da República, 2017, pp. 301-316.
-Federico, Giovanni, “The State and the Market” in Feeding the World: An Economic History of Agriculture, 1800-2000, Princeton, Princeton University Press, 2005, pp. 187–220.
-Badia-Miró, Marc; Guilera, Jordi; Lains, Pedro, “Regional Incomes in Portugal: industrialisation, integration and inequality, 1890-1980” in Revista de Historia Económica/Journal of lberian and Latin American Economic History, vol. 30, nº 2, pp. 225-244.
-Rolo, Joaquim Cabral & Cordovil, Francisco, Rural, Agriculturas e Políticas, Lisboa, Animar/Projecto Ruranimar, 2014. 
-Soares, Fernando Brito, “A agricultura” in Pedro Lains & Álvaro Ferreira da Silva (org.), História Económica de Portugal (1700-2000), Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2005, vol. III, pp. 157-183.
-Varela, José Augusto dos Santos, A agricultura portuguesa na PAC: balanço de duas décadas de integração, 1986-2006, Coimbra, Almedina, 2007.

13 maio 2019
Francisco Miguel Araújo (CITCEM – U.Porto/IHC – Nova FCSH)
Conceção e gestão da Ciência e Universidade portuguesas em Amândio Tavares (1942-1966)
O pós-2.ª Guerra Mundial acarretou toda uma nova dinâmica nos sistemas de ensino universitário e de investigação científica no Portugal do Estado Novo. Ator privilegiado em todo este processo, Amândio Tavares (1900-1974) desempenhou alguns dos cargos mais relevantes para a evolução de políticas científicas e académicas desse período: vice-presidente da subsecção da Ciência do Instituto de Alta Cultura (1942-1966) e reitor da Universidade do Porto (1946-1961). Este estudo de caso, entrosando os rumos da História da Educação com os da História da Ciência, percorre a sua história de vida para definir as principais conceções e diretrizes pessoais para uma gestão académico-científica no regime autocrático. Assim, espelhando a sua influência institucional e a transfiguração da Ciência e Universidade portuguesas, interligado com as preocupações no desenvolvimento interno e o reforço da internacionalização, preconizado entre o conservadorismo e a inovação por outros contemporâneos.

BIBLIOGRAFIA
- ARAÚJO, Francisco Miguel (2016) – Produzir e divulgar Ciência no Estado Novo: Amândio Tavares no Instituto de Alta Cultura (1942-1967).
- ROLLO, Maria Fernanda; TAVARES, Manuela, coord. – A Europa do Pós II Guerra Mundial: o caminho da cooperação - e-Dossier IHC. Lisboa: IHC, p. 56-76.
- ARAÚJO, Francisco Miguel (2018) – Ciência e Universidade em Portugal: Amândio Tavares, um reitor do Porto no Instituto de Alta Cultura. In MALHEIRO, Xosé; URTAZA, Eugenio, coord. – La Historia de la Educación hoy: retos, interrogantes, respuestas. Espanha: Universidade de Santiago de Compostela – Publicacións, p. 125-129.
- FITAS, Augusto; RODRIGUES, Marcial; NUNES, Maria de Fátima (2008) – Filosofia e História da Ciência em Portugal no século XX. Casal de Cambra: Caleidoscópio.
- RIDDER-SYMOENS, Hilde; RÜEGG, Walter, eds. (1992-2011) – A History of the University in Europe. Cambridge: Cambridge University Press.
- ROLLO, Maria Fernanda; QUEIROZ, Maria Inês; BRANDÂO, Tiago; SALGUEIRO, Ângela (2012) – Ciência, Cultura e Língua em Portugal no século XX: da Junta de Educação Nacional ao Instituto Camões. Lisboa: Instituto Camões/INCM.
- TAVARES, Amândio Tavares (1951-1961) – O Instituto de Alta Cultura e a Investigação Científica em Portugal. Lisboa: IAC.
- TEIXEIRA, Pedro, coord. (2014) – Percursos da Internacionalização na Universidade do Porto: uma visão centenária. Porto: U.Porto Edições.
20 maio 2019
Inês José (IHC-NOVA/FCSH)
Alimentar na Guerra e na Paz: o papel do Estado na regulação do abastecimento alimentar (1914-1930)
Garantir a alimentação dos soldados e da população civil em simultâneo foi um dos principais desafios com que os governos dos diferentes países envolvidos na Primeira Guerra Mundial se defrontaram, com consequências que se perpetuaram no pós-guerra. No caso português, à semelhança do que se verificou noutros países europeus, o conflito operou importantes mudanças ao nível da intervenção do Estado no domínio do abastecimento alimentar. Partindo de uma síntese das políticas alimentares adotadas durante o conflito para fazer face aos desafios do abastecimento interno, esta exposição tem a intenção de constituir uma primeira aproximação ao papel do Estado na regulação do abastecimento alimentar no período do primeiro pós-guerra, identificando continuidades e recuos do intervencionismo estatal neste domínio. Esse exercício procurará ainda atender à várias leituras da classe política sobre o sector agroalimentar português e a sua capacidade de dar resposta às necessidades de consumo das suas populações.

BIBLIOGRAFIA

- GARRIDO, Álvaro, O Estado Novo e a Campanha do Bacalhau, Lisboa, Temas e Debates, Círculo de Leitores, 2010.
- MEDEIROS, Fernando, A Sociedade e a Economia Portuguesas nas Origens do Salazarismo, Lisboa, A Regra do Jogo, 1978.
- PIRES, Ana Paula, Portugal e a I Guerra Mundial: A República e a Economia de Guerra, Casal de Cambra, Caleidoscópio, 2011.
- VALENTE, Vasco Pulido, Estudos sobre Sidónio Pais: Comércio e Distribuição em 1918, Barcelos, Comp. Edit. do Minho, 1968.

27 maio 2019
Dulce Simões (INET-md-NOVA/FCSH)

Produção e captura de imaginários simbólicos futuros do cante alentejano
Os folcloristas e académicos do passado reclamaram a preservação da herança cultural – ou pelo menos a sua representação – perante as transformações materiais e simbólicas da sociedade capitalista. As suas narrativas foram rearticuladas pelos estados-nação, como representações hegemónicas regionais ou nacionais, vinculadas à “cultura popular” e à “autenticidade”. Na actualidade as representações culturais preservadas são patrimonializadas e adaptadas ao “mercado das autenticidades”, entraram em circulação e transformaram-se em objectos de culto, como produtos rentáveis das indústrias culturais. O objectivo da apresentação é debater a ruptura simbólica com a “tradição” [pelo desaparecimento das realidades vividas] e a produção e representação de formas de vida e relações desaparecidas como algo posto em valor ao serviço do turismo e do desenvolvimento regional, a partir de uma etnografia localizada na fronteira do Baixo Alentejo, complementada por fontes bibliográficas e documentais.

Série V 
12 Outubro 2015  
Álvaro Garrido (CEIS20 e FEUC)
Corporativismo e Corporativismos - Teoria, Doutrina e Historicidades
Nos países da Europa do sul que conheceram regimes autoritários de inspiração fascista, a palavra corporativismo tornou-se hiper-referencial do ponto de vista sociológico e sub-analisada do ponto de vista histórico. Para este desequilíbrio concorrem a excessiva pluralização teórica do conceito sociopolítico de corporativismo e apropriações ligeiras da memória dos “corporativismos históricos”.
Como estudar o corporativismo? Como submeter a dogmática corporativa à análise histórica, dado que o tema se compõe de conceitos de fundo moral, de ilusões doutrinais e de um denso património de organizações cujo critério instituinte se supõe fundamentalmente político?
Esta exposição procede a um balanço teórico das mais recentes perspectivas de estudo do fenómeno do corporativismo nas Ciências Sociais, em geral, e propõe um debate em torno do corporativismo enquanto fenómeno histórico ligado à experiência dos fascismos da Europa de entre as guerras. Uma breve síntese da historiografia portuguesa sobre o tema permitirá identificar as linhas de interpretação prevalecentes e propor outros modos de análise histórica dos sistemas corporativos. Dar-se-á relevo ao caso português e às questões relacionadas com a institucionalização de uma “economia nacional corporativa” no âmbito do Estado Novo.

BIBLIOGRAFIA
- Brito, José Maria Brandão de, A Industrialização Portuguesa no pós-guerra (1948-1965). O Condicionamento Industrial, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1989.
- Garrido, Álvaro, A institucionalização económica do Estado Novo. A organização corporativa da “economia nacional (Lição para Provas de Agregação apresentadas à Universiddae de Coimbra em Dezembro de 2014, inédito).
- “Le Corporatisme de l’État Nouveau Portugais. Un débat sur l’institutionnalisation économique de la Nation”, Storicamente", Rivista di storia dell'Università di Bologna, Itália, 2015 (pp. 1-22).
- Lucena, Manuel de, A evolução do sistema corporativo português, 2 vols., Lisboa, Perspectivas & Realidades, 1976.
- Manoilesco, Mihail, Le sécle du corporatisme: doctrine du corporatisme intégral et pur, Paris, Félix Alcan, 1934
- Moreira, Vital, Auto-Regulação Profissional e Administração Pública, Coimbra, Almedina, 1997.
- Patriarca, Fátima, A Questão Social no Salazarismo, 1930-1947, 2 vols, Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1995.
- Rosas, Fernando, O Estado Novo nos Anos Trinta, 1928-1938, Lisboa, Editorial Estampa, 2ª ed., 1996.
- ROSAS, Fernando; GARRIDO, Álvaro (introd. e coord.), Corporativismo, Fascismos, Estado Novo, Coimbra, Almedina, 2011.
- Schmitter, Philippe C., Portugal: do Autoritarismo à Democracia, Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 1999.
- Torgal, Luís Reis, Estados Novos Estado Novo, 2 vols., Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2009.

23 de Novembro 
Steven Forti (IHC-FCSH-UNL)
Entre represión y consenso. Unas reflexiones sobre modernidad y tradición en el fascismo
El fascismo fue una nueva forma de régimen político donde la modernidad y la tradición se entremezclaron y se yuxtaponieron en muchos casos, tanto en las prácticas políticas como en los discursos. Todo esto es evidente en la estrecha relación que se instaura entre la violencia/represión y el consenso en todos los regímenes que podemos considerar parte de la heterogénea familia de los fascismos europeos. En todos estos casos, la modernidad, hija de la Gran Guerra y de los desarrollos técnicos de la primera parte del siglo XX, se encuentra tanto en las formas de represión como en las modalidades para buscar el consenso entre la población.
En esta conferencia nos ceñiremos especialmente en el caso italiano, siendo éste el primer régimen fascista existente a nivel europeo. Se mostrará cómo la construcción y la consolidación de la adhesión al régimen no se consiguió solamente a través de la violencia y la represión, sino también a través de los mitos unificadores y la movilización política, y llenando los espacios de vida con las estructuras asociativas dependientes más o menos directamente del Partido Nacional Fascista. Esta explicación se dividirá en dos partes. La primera parte se centrará en la violencia política y en los órganos de represión creados por el régimen fascista italiano (desde el Tribunale Speciale per la Difesa dello Stato al confinamiento político y la policía política), mientras que la segunda parte se dedicará a las instituciones que el régimen creó para irregimentar al pueblo ofreciendo asistencia y sociabilidad a través de estructuras de integración colectiva por edad, género, condición social e identidad profesional.
Gracias al estudio y a la explicación del caso italiano, en la tercera y última parte de la conferencia se intenterán trazar algunos paralelismos con otros casos de regímenes fascistas o parafascistas de la Europa en los años de entreguerras, como la Alemania nacional-socialista, la España franquista, el Portugal del salazarismo y la Francia de Vichy.

16 Novembro 2015
Bruno Monteiro
A burguesia em festa. Discursos e práticas do patronato portuense em contextos de solenidade (1957-1974)
Marc Bloch mostrou como a sua opção de interrogar o ritual da unção régia para perceber os processos de legitimação e veneração da instituição monárquica e, em particular, da sua personificação pelo monarca, longe de ser uma excentricidade historiográfica, podia resumir o projecto de uma antropologia histórica do poder simbólico e ideológico. Olhar para os eventos de solenidade permitiu-lhe mesmo constatar, nessas páginas de Os Reis Taumaturgos a que nos reportamos agora, que «a história das ideias – ou dos sentimentos – políticos não deve ser procurada somente nas obras dos teóricos; certas maneiras de pensar ou sentir são-nos melhor reveladas pelos factos da vida quotidiana do que pelos livros». Ao recuperar esta atenção epistemológica às palavras e aos actos que preenchem a viscosidade dos encontros solenes, que nada tem de novo, portanto, para a historiografia, viemos a situar a nossa pesquisa sobre os eventos cerimoniais do patronato portuense entre 1957 e 1974. Aliás, para este mesmo período histórico, existem já importantes trabalhos percursores, seja Fátima Patriarca que escreve sobre o «triângulo corporativo» que encena um «contrato» salarial, seja Álvaro Garrido sobre a estatização dos rituais do «mundo marítimo» da pesca do bacalhau. Desta maneira, procurámos inventariar os plurais regimes de justificação utilizados pelos patrões industriais do Porto nesse hiato temporal e, por outro lado, incidir sobre as potencialidades de estruturação social que estão situacionalmente encastradas nestes contextos, mostrando, assim, como essas ocasiões eram menos inócuas e inconsequentes do que locais de condensação, activação, e negociação para as elites locais. A observação sócio-histórica dos estilos de enunciação do patronato do Porto e dos modos de reprodução social das elites locais vem precedida por uma pesquisa sobre as estruturas objectivas de poder que a situavam, no seu conjunto, entre a classe dominante portuguesa da época e que, interiormente, a fraccionavam numa variedade de segmentos separados por interesses e expectativas parcialmente descoincidentes e, logo, concorrentes.

11 Janeiro 2016
Gonçalo Amaro
Pessoas, Objectos e Sentimentos: Uma Reflexão sobre a Construção Social do Património 
Para Alois Riegl o século XIX foi o século do valor histórico e o século XX – que recentemente começava quando o historiador austríaco proferiu estas palavras – seria o século do valor da antiguidade. De facto, durante o século XX verificou-se, no mundo ocidental, uma enorme preocupação por preservar a antiguidade e a originalidade dos monumentos. Contudo, a partir da década de 70, em alguns países mais do que noutros, começou a ganhar importância outro valor que tem vindo a afirmar-se no século XXI, estando, frequentemente, presente nos debates patrimoniais contemporâneos – o valor cultural – atribuído ao património uma enorme responsabilidade e abrangência.
Notamos que as directrizes das principais organizações internacionais com “poder” no âmbito das políticas do património, como a UNESCO ou a ICOMOS, têm vindo a “proteger” os elementos imateriais que estão adjacentes ao património, ao fim ao cabo, aqueles aspectos que acabam por não estar plasmados num elemento material, mas que estão presentes nas vivências humanas, nas características de uma comunidade ou de um povo e que explicam a sua forma de entender o espaço onde vivem, nas suas formas de expressão material e humana. Nesse sentido, e como tem vindo a referir Bruno Latour, é um erro seguir as ideias cartesianas de separação da mente e da matéria – os dois elementos são inseparáveis para compreender a nossa história. Poderíamos então afirmar que o património deve ser analisado como um todo, como um processo que tem uma representação física, mas que também tem uma forte relação como as dinâmicas sociais do ser humano.
No século XXI falar de património é falar de um conceito polissémico que ainda pode continuar a ser definido desde uma perspectiva económica, fazendo referência ao que os pais, familiares ou entidades, deixam a um filho, pessoa ou instituição, mas que representa, cada vez mais, outros sentidos, apresentando, fundamentalmente um significado cultural, referindo-se às tradições que se transmitem de geração em geração. Em ambos os casos, podemos dizer que os bens patrimoniais respondem a ideologias, simbologias e a relações sociais e culturais. Uma construção social de um passado no presente, a partir das interpretações de uma memória (colectiva ou individual) e de estudos históricos (realizados por académicos ou por conhecedores das tradições: história oficial versus historicidades). Contudo, dentro deste enquadramento social, acreditamos que é também fundamental destacar um aspecto que é cada vez mais analisado e tido em conta: referimo-nos ao sentir, às emoções que o património cria. Deste modo, defendemos que o património possui essencialmente quatro dimensões que devem ser tidas em conta no seu estudo: uma física (a materialidade do objecto), uma simbólica (na qual se expressam os valores sociais e culturais), uma institucional (os processos de classificação e protecção) e uma afectiva (a relação sentimental entre os seres humanos e o bem patrimonial). Não é, portanto um processo neutro, está composto por interesses e expectativas que geram conflitos entre os vários actores. Um processo que só se torna efectivo se existe uma mobilização de um grupo de poder (políticos, administração ou grupo de pessoas, moradores de um bairro, etc.) que defende e que considera algo como seu património.
Assuntos desenvolvido no âmbito de um estudo de pós-doutoramento em Património Cultural realizado na Pontifica Universidad Católica de Chile, entre 2012-2014, dando origem a um livro que agora é apresentado.



Série III

Couto Mineiro do Lena (1925-1954): ambições e desaires no período entre guerras e pós 2ª Guerra

José Manuel Brandão
Centro de História e Filosofia da Ciência, Universidade de Évora / Rede HetSci

Palavras-chave: Carvão; Couto Mineiro do Lena; Batalha; Porto de Mós.
Resumo
Nas formações jurássicas de Porto de Mós e Batalha, ao longo do vale do Lena, são conhecidos, desde finais do século XVIII, pequenos jazigos de carvão (azeviche e lenhite) aproveitados de forma intermitente desde os anos 1850.
A sua exploração teve um impacto económico e social significativo durante as duas Guerras Mundiais quando, perante o embargo aos carvões estrangeiros, o país se viu obrigado a recorrer intensamente aos combustíveis nacionais, mesmo aos mais ‘pobres’. Contudo, o período mais interessante da atividade das concessionárias mineiras na região foi o que mediou entre os finais da década de vinte e a II Guerra, quando o movimento industrialista, acarinhado pela Ditadura, tentava corresponder aos desígnios de progresso nacional; entram então em cena novos protagonistas, cuja estratégia marcaria, de forma indelével, a vida do Couto Mineiro do Lena.
Desenvolve-se então uma fileira industrial que concilia, sob a mesma administração, a produção (trabalhos mineiros), a exportação (em caminho de ferro privativo) e parte do consumo dos carvões extraídos (sobretudo assegurado por uma central termoelétrica).
O transporte ferroviário e a produção e distribuição de eletricidade foram as duas mais importantes apostas das concessionárias, justificadas, e tento à retaguarda a exploração das minas.
Esta teia de ‘negócios’ cedo revelou fragilidades decorrentes, tanto das condições inerentes aos jazigos e às caraterísticas tecnológicas dos carvões, como das estratégias empresariais, que conduziram ao encerramento definitivo da maior parte das minas e ao desmembramento legal do Couto Mineiro em dezembro de 1954.

Virtualidades da história e do património industrial da Covilhã. Das bases de dados à rota da lã.
Elisa Calado Pinheiro *

Resumo 

A brusca desindustrialização sofrida pelos principais centros laneiros europeus, a partir da década de setenta do séc. XX, motivou um vivo debate sobre a cultura, as memórias e os legados tangíveis e intangíveis destas comunidades em desagregação. A consciencialização da acelerada perda de referências identitárias conduziu à patrimonialização de muitas das evidências de campo preservadas, através da valorização da sua ancestralidade/ obsolescência, do elevado grau de especialização que incorporaram e das fortes marcas que deixaram impressas nas paisagens. A apropriação de tão vasto acervo implicou uma necessária e urgente contextualização histórica, conduzindo ao cruzamento das imprescindíveis fontes documentais com o manancial das novas fontes materiais em presença. A nítida interceção verificada entre os objetos de análise da história económica e da arqueologia industrial, mais do que hierarquizar qualquer destes sistemas de conhecimento, permitiu valorizar a sua complementaridade e, sobretudo, afinar as metodologias de intervenção patrimonial, com a finalidade de ampliar e aprofundar o conhecimento da história da indústria. A aplicação de princípios de conservação ativa do património viabilizaram a síntese possível entre tradição e inovação.
Contextualizar a história dos lanifícios covilhanenses e elencar  algumas das políticas e das práticas de salvaguarda do património industrial empreendidas, na Beira Interior, pelo Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior (Covilhã), bem como divulgar os resultados alcançados no âmbito da inventariação patrimonial, através do recurso à georreferenciação, e da criação de uma rota turística peninsular, a Rota da Lã TRANSLANA, são alguns dos objetivos desta comunicação.

*Professora auxiliar convidada aposentada da Universidade  da Beira Interior (Departamento de Letras) e ex-diretora do Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior